DESABAFOS DE UM MAROMBEIRO LESIONADO E RECÉM-OPERADO: CAPÍTULO 5

ATENÇÃO: o artigo que você está prestes a ler não é censurado e contém muitas palavras de baixo nível, afinal, trata-se de um “desabafo”. Recomendo que pense duas vezes antes de ler, uma vez que eu sou um bom moço, educadinho, e quero que você continue com essa imagem de mim! (Ai, meu deus, quanta hipocrisia!!).


Naquela noite, na segunda quinzena do mês de setembro, já deitado na cama para dormir, eu tive um acesso de tosse e senti uma dor inédita na virilha direita: era minha hérnia dando seu primeiro “olá”. Digo primeiro, por que até então, sentia apenas latejar, ficava com o testículo e a região doloridos, mas não era nada de outro mundo. Era apenas foda. Mas depois dessa tosse, eu senti algo que classifiquei como “foderoso”. 

Forcei mais algumas vezes e coloquei a mão na região: foi como se sentisse meu filho dando seu primeiro chute, seu primeiro sinal de vida: o intestino já conseguia escapar pelo buraco da hérnia.

Para quem não sabe, hérnia é uma cavidade originada por uma frouxidão da parede abdominal (no meu caso a virilha, mas observe a imagem abaixo para ver quantos tipos existem no abdômen. Lembrando que também há a de disco). Acontece que quando o sujeito faz força, os órgãos internos também são pressionados, e o intestino (no meu caso) aproveita para “escapar”, deslizando para fora desse buraco. 
Interrompido o esforço, ele volta. É justamente esse deslocamento que causa a dor. Ao contrário do que muitos pensam, as piores hérnias são as iniciais, pois a cavidade é mais estreita e existe a possibilidade de o intestino ser estrangulado nesse vai e vem, e não conseguir retornar ao seu lugar de origem, requerendo, assim, uma cirurgia com urgência, para que o órgão não sofra uma necrose e mate o portador.
Tipos de hérnia abdominal

Expliquei isso de forma simples e objetiva, pois percebi, conversando com muitas pessoas depois que operei, que quase ninguém sabe exatamente o que é uma hérnia... Era muito comum que me perguntassem: “e aí... tirou (fazendo gestos de cortar com as mãos) a hérnia?!”. Na verdade não há nada ali para se tirar, mas sim tampar e costurar, mas conversaremos sobre isso mais adiante...

Voltando, no dia seguinte mesmo marquei uma consulta. Não lembro quantos dias demorei para ser atendido, só lembro que o médico disse que teríamos que operar e já começamos a marcar a cirurgia, acionar convênio, colher sangue, etc. Parei de treinar perna e levantamento terra por conta das dores e do medo. Comecei a sentir sensações bem desagradáveis para subir escadas e para levantar. Às vezes era assustador, pois eu me esquecia dessa merda e levantava depressa da cadeira, sentia um choque terrível e de fdp na região. Tive que começar a andar coxeando da perna direita, só que não adiantava, já que meu testículo esquerdo continuava querendo explodir por culpa da varicocele. Foi uma fase inesquecível, no pior sentido da palavra, mesmo porque, a cirurgia foi adiada duas vezes por problemas diferentes.

"Parei de treinar perna e levantamento terra por conta das dores e do medo."

Isso foi foda, pois tive que me preparar psicologicamente diversas vezes. Imagine que você vai operar em 7 dias. Aí quando estiverem faltando 3 dias para o evento, eu te ligo e falo “sua cirurgia foi adiada em uma semana”. Só sei que foi uma puta confusão, várias pessoas me mandando email ou ligando: e aí como foi a cirurgia? Como você está? Teve gente de quem me “despedi” três vezes. Nos treinos também foi a mesma coisa: “bom hoje é meu último dia de musculação, preciso caprichar!” No fim, tive vários "últimos treinos"...

Mas aí marcamos uma data certa, agora era pra valer! Dia 5 de outubro, um sábado, fiz meu último treino, deixei pra finalizar com costas, pois é meu grupo favorito. Tranquei-me (maldita colocação pronominal herança daqueles portuga #@#$%$) na academia, joguei um som alto do ACDC, entrei no meu transe e comecei a puxar ferro, confesso que fraquejei e não consegui dar 100% naquele dia, foi foda saber que ia parar de treinar pela primeira vez na vida, depois de 10 anos. Devo ter chorado, não me lembro mais, com certeza rolou uma depressão e sentei no supino um tempo. Essa hora foi foda, só quem passou por algo semelhante e tem o mesmo amor do que eu pela musculação sabe como foi difícil.

Minha relação com a arte do ferro é diferenciada, eu tenho verdadeiro amor pelo que faço, nem paixão mais é, é amor, que é algo muito mais forte. Eu nem sei mais se vivo para treinar ou se treino para viver, como aquela velha discussão do nosso querido escritor: é defunto autor ou autor defunto? Simplesmente não saberia mais responder...

Como uma pessoa me falou tempos atrás, a musculação é minha religião. É o que me mantém com alegria de viver, seguindo em frente, apesar dos pesares... Se você perguntar a alguém, ou a si mesmo, por que treina? Ouviremos toda sorte de respostas: pra ficar bonito, pra ficar em forma, pra ganhar dinheiro, pra pegar mulher, pra fazer social, conhecer pessoas, pra meter pressão nos outros, pra arruma treta, pra se exibir, pra desfilar, porque eu gosto, porque tenho problema de saúde, etc... Enfim, todo tipo de respostas.

A minha ligação transcende tudo isso, eu treino porque é o que faço de melhor, é a minha vocação, me mantém vivo e humano, porque amo a musculação. Virou uma coisa tão pessoal, que montei minha própria academia, treino às portas fechadas, sem ninguém para me atrapalhar, treino descalço e sem camisa, com som no talo, sem ninguém me olhando, não é exibicionismo, é totalmente privado: não quero que ninguém se intrometa ou me prive de fazer o que quero nos meus treinos.


O foco é outro hoje: é treinar para viver e viver para treinar, quanto mais tempo eu me mantiver no esporte, melhor, então é 100% natural. Não disputo e não aceito nenhum tipo de desafio de ninguém, a competição é comigo mesmo e com a vida, e pra essa, é certo que uma hora vou perder, assim como todos irão.

Fiz esse discurso meloso, para que você entenda um pouco de como foi difícil o processo pelo qual eu teria de passar. E também para conhecer um pouco do autor dos textos que você lê aqui no site há alguns meses, saber que não está lidando com um cara que apenas gosta de treinar, que acha o fisiculturismo daorinha, que gosta da "modinha de malhar", que quer ganhar dinheiro às custas de enganação alheia, vendendo um trabalho meia boca com resultados totalmente improdutivos. Saiba que está lidando com um cara que ama e respeita com todas as forças a musculação e que vive isso 25hrs por dia há mais de uma década.

Bom, encerrada a divagação, vamos voltar ao mundo real. Finalizei o último treino. Prometi a mim mesmo que não derramaria uma lágrima sequer durante todo o processo, que não ficaria me lamentando feito mulherzinha, que não iria praguejar, amaldiçoar, que não me faria de coitado, que não entraria em depressão, que não me faria de vítima. Foda-se tudo isso. Passaria pelo processo como um Homem de verdade, com a cabeça erguida até a puta que pariu se fosse preciso.

Dois dias depois, no dia 7 de outubro de 2013, às 7:30 da manhã, eu seria operado...      
       
Continua no próximo capítulo...


ATENÇÃO: esta série contém várias partes. Continue a leitura acessando:
PARTE 1: Introdução e apresentação dos eventos da série.
PARTE 2: Um jardineiro com o punho lesionado
PARTE 3: A epididimite
PARTE 4: A hérnia e a varicocele I
PARTE 5: A hérnia e a varicocele II
PARTE 6: CRÔNICAS DE UMA CIRURGIA - PARTE I
PARTE 7: CRÔNICAS DE UMA CIRURGIA - PARTE II


FERNANDO PAIOTTI
Personal Trainer e Consultor Online
CREF 151531-G/SP


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