Acredito que muitos já se fizeram esta pergunta, não é
verdade? Afinal, por que nosso corpo tem o “maldito” hábito de estocar gordura?
Para responder a esta pergunta, teremos de recorrer à
bioquímica e à seleção natural. Vamos lá:
SELEÇÃO NATURAL
Como todos devem se lembrar das aulas do colégio, nossos
ancestrais, em certo momento da história, foram caçadores-coletores.
Durante os períodos do ano mais quentes, em que as fontes de
comida eram relativamente fartas, eles se alimentavam com frequência. Porém, no
auge do inverno, ficavam presos dentro de uma caverna, sem a possibilidade de
se nutrir adequadamente, haja vista que não possuíam um freezer com carnes
congeladas, muito menos uma dispensa com comidas enlatadas...
Sendo assim, o que se tinha era um longo período de fome e
de escassez, logo, quem tivesse a maior quantidade de energia previamente
armazenada no organismo, era quem teria maiores chances de sobrevivência.
Sim, caro leitor, estamos falando da gordura!
Pelo o que me lembro de uma aula de bioquímica da graduação
em educação física, um ser humano bem gordo é capaz de sobreviver por um mês
sem comida. De repente, até mais do que isso.
Agora, repare no seguinte: o indivíduo que tinha facilidade
em acumular gordura durante o “verão”, sobrevivia ao inverno e tinha mais
chances de procriar e de passar seus genes adiante.
Os que não tinham tendência a acumular muita gordura, ou
que, quem sabe, armazenavam mais energia sob outras formas, como proteína (músculo)
e carboidrato (glicogênio), não costumavam sobreviver a longos períodos de
clima rigoroso e acabavam morrendo, sem chance de passar seus genes adiante.
Isso sem mencionar o fato de a gordura ser um isolante
térmico e proporcionar que nosso corpo perca menos calor para o ambiente...
Bom, para resumir a história, ao longo do processo
evolutivo, a seleção natural acabou por favorecer indivíduos gordos! Sim, isso
mesmo, os gordinhos!
Agora, vamos dar um passo além e entender o cenário com a
ajuda da bioquímica.
UMA VISÃO BIOQUÍMICA
Para deixar claro antes de discutirmos esta parte, não
existem pessoas que armazenam apenas glicogênio, apenas músculos ou apenas
gordura como fonte energética no organismo. Nós temos um bocado de tudo, mas a
gordura foi escolhida como a principal e mais importante fonte na natureza.
Motivo?
Já pensou se acumulássemos apenas glicogênio? Seria demais
não?! E músculos então?!?! Todo mundo bombadão lá na pré-história, com BF quase
nulo e mais de 100kg de massa magra!
Seria muito bonito na teoria, mas na prática, totalmente
inviável!
Talvez sujeitos como esses até tenham existido há milhares
de anos atrás, não desse jeito estereotipado como fiz para brincar, mas em
certos graus menos absurdos, digamos assim.
Como alguns devem saber, as três macromoléculas mais famosas
podem produzir as seguintes quantidades de energia, quando oxidadas:
- carboidratos e proteínas: 4kcal/g
- ácidos graxos (gorduras): 9kcal/g
Esses valores já chamam bastante atenção dado que quando
escolhemos armazenar 1g de alguma delas, teremos, no final, quantidades
energéticas retidas diferentes, tendo o ácido graxo uma enorme vantagem.
Porém, isso não é tudo e aqui chegamos a um ponto fascinante
da natureza: você já pingou uma gota de óleo num recipiente cheio de água? Ela
fica ali boiando, sem se misturar com o outro líquido, certo?
Conhece essa pequena escultura? |
Se você pinga mais uma gota, ela se junta à anterior e ambas
continuam imiscíveis. Isso se deve à polaridade das substâncias envolvidas, sendo
a água polar e o óleo, apolar.
O ponto chave dessa questão é que para armazenarmos
lipídios, nós o fazemos sob a forma anidra, ou seja, sem água, ao contrário do
glicogênio (carboidrato), que é hidratado na proporção de 1g dele para cada 2-3g
de água.
Sendo assim, o indivíduo que guarda 1g de lipídio tem sua
massa aumentada em 1g, que, por sua vez, pode fornecer 9kcal de energia; já o
que retém 1g de glicogênio ganha, na verdade, 3 a 4g de massa corpórea, mas só terá
4kcal de energia à disposição.
Se fôssemos fazer uma comparação pau a pau, 3g para cada um,
o cara da gordura teria mais de 6 vezes a quantidade de energia armazenada pelo
cara do glicogênio!
Considerando um homem típico de 70kg, com um BF de 15%, que
corresponde a 11kg de gordura no corpo, este terá: 100.000kcal sob a forma de
triacilglicerois (maneira como estocamos gordura no adipócito – célula
armazenadora), 25.000 kcal na forma de proteínas (basicamente nossa musculatura),
600kcal em glicogênio (dentro do músculo e no fígado) e 40kcal em glicose.
Se esse mesmo ser humano armazenasse toda essa quantidade de
energia em glicogênio, ele seria 55kg mais pesado!
Além disso, pense nas coitadas das células que iriam
armazenar toda essa energia e nos gastos metabólicos extras. O adipócito fica
com um monte de gordura unida dentro do seu citoplasma (aquele ”líquido” dentro
da célula), fato que otimiza espaços e aproveitamento. Se a brincadeira fosse
feita de outra forma, imagine a quantidade de células que precisaríamos pra
guardar 55kg de água!
DESFECHO
Espero que tenham gostado desse texto de abordagem mais científica.
É fato que hoje não temos mais esse risco de ficar sem comer
por longos períodos, porém, está programado em nosso DNA armazenar energia
predominantemente sob a forma de triacilglicerois, infelizmente.
Isso não irá mudar, logo, caberá a você que quer ter um
shape atlético praticar exercícios físicos e cuidar da alimentação.
Espero, também, que não veja mais a gordura apenas como uma
vilã, dado que você só está aqui hoje, vivo e lendo este texto, porque ela um
dia permitiu.
REFERÊNCIAS
- Stryer, Bioquímica, 5ª edição, Guanabara Koogan. Metabolismo
de ácidos graxos.
FERNANDO PAIOTTI
Personal Trainer e Consultor Online
CREF 151531-G/SP
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