Fala rapaziada!
No último artigo, falamos
bastante sobre a questão do fortalecimento muscular como uma importante
ferramenta para melhora de desempenho na corrida, assim como para prevenir
lesões. Hoje, antes de encerrarmos esta série, será a vez de discutir acerca do
treinamento de potência para incrementar sua performance. Boa leitura!
7. TREINANDO POTÊNCIA PARA MELHORARMOS O DESEMPENHO NA CORRIDA
Agora que já discutimos
praticamente tudo sobre corrida, chegou o momento de entrarmos num tópico de
nível mais elevado, cuja importância fica restrita a quem já treina faz tempo,
ou seja, aos corredores experientes, uma vez que iniciantes não estão
preparados para a sobrecarga gerada e devem se preocupar com coisas muito mais
simples antes.
A ideia de treinarmos potência
está relacionada com a questão da economia de movimento, que diz respeito à
capacidade de manter o exercício numa determinada intensidade ao menor custo
energético possível, o que nos permite prolongar o tempo da atividade ou mesmo
realizá-la de forma mais rápida.
A ideia aqui é a de treinar o
componente elástico muscular, de modo que ele melhore sua capacidade de
armazenar e restituir energia, conforme discutido no artigo de pliometria que
escrevi tempos atrás (clique AQUI
para ler), que nada mais é do que um treinamento de potência.
Sendo assim, para realizarmos
este tipo de programa, precisamos impor muita carga excêntrica ao músculo, “ensinando-o”
a receber porrada e a armazená-la, porém, de forma que ele consiga restituí-la
rapidamente, pois se não o fizer, ela acaba sendo dissipada.
Nos grandes centros de
treinamento do mundo, que possuem alta tecnologia, um treino desses pode ser
realizado numa esteira de overspeed,
que nada mais é do que uma esteira de altíssima velocidade, onde o sujeito é
fixado por cabos suspensos, a fim de protegê-lo quando não aguentar mais
correr: neste caso, basta erguer as pernas, respirar um pouco e baixá-las
quando se sentir preparado novamente. Observe a imagem ao lado.
A ideia do overspeed é a de criar
velocidades altíssimas, gerando grandes impactos, obrigando os músculos a
lidarem com eles, exercitando mecanismos de acúmulo e restituição de energia.
Porém, como para a maioria
esmagadora do público fica totalmente inviável ter acesso a algo desse nível, a
ideia seria utilizarmos estratégias alternativas, como, por exemplo, a da
corrida em descidas/ladeira, pois é uma forma de simular o overspeed, uma vez que o declive aumenta bastante a porrada que
recebemos, elevando a carga excêntrica. Além disso, como temos de ser rápidos,
caso contrário corremos o risco de cair, a energia acumulada acaba sendo
rapidamente reposta, preservando a essência do treinamento de potência.
Segundo trabalho dos
pesquisadores Ebben et al., 2008, o grau de declinação ideal (caso você tenha acesso
a uma esteira que faça declinação) para essa prática esportiva é de 5,8°, fato
que aumenta nossa velocidade máxima em 7,09% e a aceleração, em 6,54%.
Como disse no início deste
capítulo, essa abordagem é mais indicada a pessoas avançadas, pois estas já têm
um nível de treinamento considerável, contando com estruturas corporais
fortalecidas para lidarem com tanta sobrecarga. Além disso, é importante ter em
mente que um treino com grandes cargas excêntricas causam o maior recrutamento
muscular possível, rendendo dores absurdas no pós-treino. A título de
exemplificação, a última vez em que fiz uma brincadeira dessas eu fiquei nada
mais, nada menos, do que 8 dias com dor muscular tardia, por ter corrido numa
esteira de alta velocidade dentro de 100% das minhas capacidades físicas.
Sendo assim, uma abordagem dessas
deve ser muito bem pensada e planejada dentro da periodização do treinamento,
pois a sobrecarga é gigantesca e um bom período de descanso pode se fazer
necessário. O mesmo vale para a duração e intensidade do treino, portanto,
pratique essas atividades apenas sob orientação de um treinador capacitado.
Apenas para fecharmos, já que
falamos de corrida em descida, e a corrida na subida? Ela tem algum benefício
também?
Sim, mas não dentro do treinamento
de potência, já que os efeitos dela são totalmente opostos: a carga excêntrica
é baixíssima e o tempo de contato com o solo é muito alto, o que faz dissipar
energia.
Que pena, heim, amigo leitor?!
Que pena nada! É justamente por conta dessas características que a corrida na
subida pode ser interessante: por conta da carga excêntrica reduzida e por
grande solicitação da panturrilha, as sobrecargas articulares acabam sendo
diminuídas, o que faz dessa uma interessante estratégia contra elevados
impactos, sobretudo em quem não está preparado. Além disso, como o ciclo de
acúmulo e restituição de energia é quebrado, acabamos gastando muito mais
energia do que o normal, o que torna esta prática interessante para perda de
gordura corporal!
8. CURIOSIDADES
Antes de encerrarmos, gostaria de
trazer algumas curiosidades interessantes:
- O ser humano mais rápido do
mundo é o jamaicano Usain Bolt. Ele é detentor de diversos recordes incríveis,
sendo o mais interessante o de ter percorrido 100 metros em 9,58 segundos. Para
tanto, ele chegou a bater velocidades de aproximadamente 45km/h. Outra marca
famosa foi a de superar os 200 metros em 19,19 segundos.
- No reino animal, o prêmio de
mais rápido do mundo foi vencido pela Sara, um guepardo (espécie de felino). Em
2009, ela bateu o recorde mundial de velocidade, tendo percorrido 100 metros em
6,13 segundos! Como se não bastasse, em 2012 ela bateu seu próprio recorde,
superando a mesma distância em meros 5,97 segundos!
Os guepardos são animais
incríveis, capazes de correr em altas velocidades, chegando a alcançar
112km/h, porém, pagam um alto preço: em um tiro de 100m, chegam a gastar
incríveis 500kcal, o que é um bocado perigoso, pois se eles falharem nas
tentativas de caça, chegam a correr risco de sobrevivência, pelo elevado gasto
energético investido e perdido.
- O avestruz também é capaz de
realizar façanhas muito interessantes, chegando a bater 60km/h, porém, de forma
sustentada, ao contrário do guepardo. Um dos motivos disto deriva da forma
corporal dele, com centro de gravidade alto, patas bastante longas, grande
comprimento de passada e alta capacidade de acumular e restituir energia, fatos
que o tornam muito rápido e econômico!
- Vocês certamente já devem ter
assistido a uma competição de atletismo paralímpico, onde os atletas, com
diferentes graus de amputação, correm com próteses. A título de curiosidade,
elas são feitas de fibra de carbono, que é um material que tem uma elevada
capacidade de restituição de energia, cerca de 30% maior que a de nossos músculos e
tendões, o que, em tese, acaba construindo um cenário bem parecido com o caso
do avestruz, só que não tão rápido, obviamente.
É justamente por causa disso que
esses corredores não podem participar de provas de atletismo tradicionais, com
atletas com as pernas íntegras, sem amputação, uma vez que a competição
ficaria desleal, pois a prótese traria uma vantagem, por ser mais eficiente que
o corpo humano.
9. CONCLUSÃO
Ao longo destes 6 artigos,
discutimos diversos aspectos interessantes do universo da corrida. Primeiramente,
vimos que ela gera uma sobrecarga elevada em nosso aparelho locomotor,
que é velocidade dependente, sendo assim, para que a pratiquemos devemos estar
preparados, caso contrário é lesão na certa.
E por falar em lesão, segundo as
estatísticas que vimos, cerca de 70% dos corredores se lesiona em menos de um
ano de prática da atividade, fato facilmente justificado pela falta de
instrução.
O maior vilão desse contexto é o
aumento exagerado do volume de corrida, que responde, sozinho, por algo entre
50 e 75% das lesões. Outra característica diz respeito aos erros de intensidade
de treino, que guardam relação com a velocidade utilizada e o desrespeito à
fadiga muscular.
Continuando, vimos como a
velocidade é aumentada na prática, por conta dos fatores comprimento e
frequência de passada. Além disso, também discuti em detalhes todos os
grupamentos musculares envolvidos na corrida, explicando a função de cada um,
sugerindo, ao final, a utilização de estratégias de fortalecimento, como a
musculação.
Para fechar, tivemos nossa
conversa de hoje, abarcando o treinamento de potência para indivíduos
experientes, pois esta é uma excelente forma de aumentar a velocidade de
corrida, assim como sua duração.
Com isto encerramos mais esta
gigantesca série e espero que todos tenham gostado e aprendido diversas coisas
novas, sobretudo para evitarem lesões com a corrida. Caso seja corredor, ou queira se tornar um, e tenha ficado interessado nos assuntos, clique AQUI para conhecer a minha consultoria em corrida, que é um serviço à parte das consultorias em musculação, uma vez que é totalmente voltada para melhorar seu desempenho nessa atividade, com um planejamento minucioso e individual, a fim de evitar lesões, prolongando sua vida no esporte.
Ficamos por aqui. Até a próxima
série!
BIBLIOGRAFIA
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ATENÇÃO: Essa série contém 6 partes. Continue a leitura
acessando:
- PARTE 1: A biomecânica da corrida/ Corrida Vs. caminhada/ Corrida e os impressionantes índices de lesão
- PARTE 2: Por que tantas pessoas se lesionam praticando corrida?/ Volume de treinamento
- PARTE 3: Intensidade de treinamento/ Geometria de colocação de pé/ Velocidade
- PARTE 4: Fadiga/ Como aumentar a velocidade de corrida?
-PARTE 5: Quais músculos devemos fortalecer para melhorarmos o desempenho na corrida?
-
PARTE 6: Treinando potência para melhorarmos o desempenho na corrida/ Curiosidades/ Conclusão
FERNANDO PAIOTTI
Personal Trainer e Consultor Online
CREF 151531-G/SP
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