DISCUSSÕES SOBRE BIOMECÂNICA ARTICULAR – PARTE 1

Fala rapaziada!

O objetivo desta série será o de discutir a biomecânica das nossas articulações, na tentativa de quebrar alguns mitos, melhorar o seu treino e, principalmente, evitar lesões!


1. INTRODUÇÃO

Infelizmente, a introdução acabou ficando técnica demais, porém, leiam com calma e aproveitem as informações, fechado?

Nossas articulações podem ser classificadas em:

A-) Sinartroses: absorvem choque e praticamente não permitem movimento. Podem ser divididas em sindesmoses (tecido fibroso que mantém as peças ósseas unidas, como na articulação rádio-ulnar) e suturas (tecido fibroso que faz a interface entre as peças ósseas da caixa craniana).

B-) Anfiartroses: tecido cartilaginoso semi-móvel. Divididas em sincondroses (ossos separados por uma fibrocartilagem, como o disco epifisário e o disco intervertebral) e sínfises (apresentam uma camada de cartilagem hialina que separam os ossos).

C-) Diartroses: as mais complexas, que permitem ampla mobilidade e que serão alvo principal de nossas discussões. São compostas por:

I) Cápsula articular: é delimitada pelos ligamentos extracapsulares, que diferenciam o que acontece no meio interno e externo.

II) Cartilagem articular: é altamente sofisticada e complexa, com uma capacidade de suporte mecânico absurdo, recobrindo as peças ósseas em contato.

Tem como principais funções: absorver choque (desacelerar a porrada que recebemos), aumentar a estabilidade articular (melhor compatibiliza o encaixe ósseo), diminui o atrito e distribui melhor a pressão, dado o aumento da área de contato (distribuição mais adequada da força aplicada).

Como disse, é um tecido de alta durabilidade, perdendo apenas para a dentina, haja vista que tem um sobrevida maior do que a nossa, ou seja, ela seria capaz de viver muitos mais anos do que nós.

O problema é que se ela for danificada, o estrago é para sempre, irreversível, formando-se no local um tecido cicatricial sem as propriedades da cartilagem, apenas com a função de um “tapa buraco”. Um exemplo muito recorrente disso é a condromalácia fêmuro-patelar, processo que vai da inflamação à degeneração da cartilagem da patela.

Por fim, vale mencionar os meniscos, que são uma diferenciação da cartilagem articular, formados por discos de fibrocartilagem, reforçando onde somos mais solicitados.

III) Membrana sinovial: produz líquido sinovial e reveste a membrana internamente.

IV) Líquido sinovial: a cartilagem articular não tem suprimento sanguíneo, sendo assim, o líquido sinovial é quem acaba por nutri-la, sendo bombeado para dentro da estrutura por esforço mecânico, do nosso próprio movimento (imagine um paciente acamado/repouso/imobilizado e entenda o quão prejudicial isto pode ser para nossas articulações...).

Uma outra importante função desse líquido é a de lubrificar o ambiente, de forma que o atrito seja absurdamente reduzido, chegando a níveis desprezíveis.

A membrana produz e reabsorve líquido constantemente, porém, num caso de pancada, ela inflama e acaba produzindo este material em excesso, de modo que ele tenha de ser drenado com agulha para reduzir o inchaço.

V) Ligamentos intracapsulares: estrutura destinada a conter o movimento excessivo, agindo como um restritor mecânico, impedindo que a articulação sofra um estresse grave.

Possui proprioceptores (mecanorreceptores dentro do ligamento) que identificam a posição do membro e da articulação durante o movimento, promovendo melhor controle e ajustes de acordo com a demanda.


2. LIGAMENTOS

Nossos ligamentos são formados, basicamente, por colágeno, proteoglicanos e elastina.

O colágeno é uma proteína longa que possui alta resistência à tração (e baixa à compressão), sendo muito encontrado em nossa pele, nos tendões e ligamentos, diferindo, entre eles, no que diz respeito à arquitetura/orientação das fibras.

Por exemplo, nossa pele é capaz de resistir à tração em diversos sentidos, diferente do tendão, que só a recebe numa única orientação. O ligamento, por sua vez, é usado predominantemente na tração, porém, possui fibras com disposições não idênticas, como no tendão, e não tão variáveis, como na pele, possuindo características que ficam num meio termo entre eles.

Tendões e ligamentos possuem uma similaridade tão grande entre si que se utilizam os primeiros para a reconstrução dos segundos numa cirurgia, promovendo tendão a ligamento, através de um processo de "ligamentalização". Com o tempo, acaba por acontecer uma reorientação das fibras de colágeno, por conta da demanda de aplicação de carga mecânica, promovendo uma importantíssima adaptação.

No que diz respeito ao comportamento mecânico do ligamento, fica impossível não o compararmos com o do osso, que vimos na série “Discussões sobre biomecânica óssea” (clique AQUI para ler).

Observe, nesta curva stress X deformação, que o ligamento deforma bastante com pouca aplicação de força, ao contrário do osso, que o faz em pequena escala. Além disso, ele possui vários níveis de elasticidade na zona elástica, sendo mais permissível no início e começando a apresentar certa rigidez ao final dela.

Talvez você esteja se perguntando o porquê disso e o motivo é simples: se ele fosse rígido desde o começo, não permitira o movimento, porém, se fosse liberal demais, digamos assim, abriria espaço para lesões, sendo assim, ele controla o seu ímpeto suicida de se machucar nas atividades da vida com essa rigidez que aumenta com o tempo.

A zona plástica, que no osso representava um ponto sem volta, cujo desfecho seria uma fratura, ocorre de forma caótica, não homogênea, rompendo fibra a fibra.

Terminadas estas informações, criamos mais uma dúvida: como um mesmo material pode apresentar diferentes respostas?!

Entenda que na primeira fase do movimento, a tração, as fibras de colágeno estavam bem frouxas e depois começaram a se alinhar. Só depois de pré-tensionadas é que elas poderiam exercer resistência mecânica, que seria aquele ponto onde começa a apresentar crescente rigidez.

Reproduzir este mecanismo é muito complicado, tanto é que muitas cirurgias não dão (totalmente) certo, pois no momento da reconstrução ligamentar o médico pode deixar o material mais tenso/permissível do que era antes, fato que causará prejuízos à qualidade de vida da pessoa, sobretudo no meio esportivo.

Bom, mas se o leitor observou bem, tem um tal de “ponto de microfalha” que eu ainda não mencionei, mas isto, e muito mais, é o que discutiremos no próximo artigo. Até lá!



FERNANDO PAIOTTI
Personal Trainer e Consultor Online
CREF 151531-G/SP


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