O QUE É ELETROMIOGRAFIA E PARA QUE ELA SERVE? – PARTE 1

Fala rapaziada!

Muitos de vocês já devem ter ouvido falar em eletromiografia (EMG), que é um termo bastante comum em artigos científicos, livros, textos de internet, fóruns e postagens em redes sociais.

Muitas vezes, especialmente em locais como facebook e instagram, o autor do texto nem sabe sobre o que está falando, escreve qualquer merda lá e termina assim “ese exercicio eh mto top galera para bíssipis pq o musculo eh ativado 90%!!! #fikagrandepohaaa”. A ideia do sujeito é usar algo técnico para dar força argumentativa ao seu “texto”, fazendo o leitor comprar a ideia.

Um leigo (ou mesmo alguém da área) que lê isto, pode não entender nada sobre o assunto, mas como 90% é um número bem alto, afinal, é quase 100% (que seria a porra toda), ele abraça a ideia, sentindo-se todo confortado e feliz com a descoberta, e sai aplicando por aí, reproduzindo o que aprendeu, sem nenhuma reflexão ou análise crítica do que lhe foi passado, o que é totalmente compreensível.

Sendo assim, vamos entender de fato o que significa esse lance de EMG, como a medida é realizada, o que revelam os valores obtidos, como prepará-los e analisá-los, além, é claro, de tecer algumas críticas sobre o assunto. Boa leitura!


1. O QUE É ELETROMIOGRAFIA?
De forma simplificada temos que, quando você deseja efetuar um movimento, seu cérebro envia um comando ao músculo, através de sinais elétricos que viajam por espécies de fios, chamados neurônios.

Podemos fazer uma apologia com o funcionamento de um eletrodoméstico, que no caso seria o músculo: a eletricidade chega na sua casa, você conecta o aparelho na tomada, aí aperta o botão de liga/desliga para que ele funcione, “simples” assim.

O tal do cabo elétrico, que seria o neurônio, chega e se “liga” ao músculo através de uma formação chamada de “placa motora”, que será por onde entrará o sinal para efetuar a contração muscular.

O sinal mencionado trabalha através de duas formas: intensidade e frequência. Por exemplo, se você quer produzir uma contração muscular bem forte, para movimentar uma carga grande, você envia sinais ao músculo numa elevada frequência, usando uma intensidade alta.

A frequência tem a ver com o espaçamento do estímulo, ou seja, se você quer mais força, você envia muitos deles num curtíssimo espaço do tempo. Quanto à intensidade, acho que aqui fica mais fácil e o leitor consegue associá-la à ideia de vigor, poder.

Por outro lado, se a ideia for realizar um movimento que exija pouca força, quem sabe algo mais sutil, delicado, as características do movimento serão totalmente opostas ao que foi descrito.

E aqui chegamos a um ponto de total importância para esta série: a EMG é uma técnica que mede a intensidade e a frequência do sinal elétrico que chega no músculo, via placa motora, durante um movimento qualquer.


2. POR QUE UTILIZAR ESTA TÉCNICA?

A pergunta é até que válida, afinal, não daria para analisar o movimento de outra forma? Não daria apenas para olhar o movimento e, através do conhecimentos de cinesiologia e anatomia, entender qual músculo trabalhou e ponto final?

Em alguns casos até daria, por exemplo, numa rosca direta, que sabemos ser um exercício de flexão de cotovelo, logo, que trabalha músculos flexores de cotovelo.

De primeira, você listaria o bíceps braquial para mim e, com algum custo, o braquiorradial. Um cara que ninguém lembra, ou conhece, é o músculo braquial, que é mais profundo que o bíceps e, acreditem se quiserem, é o principal executor do movimento (isso mesmo, não é o bíceps!), podendo ser classificado como agonista primário (não sabe o que é isso? Clique AQUI!).


Pois bem, aqui já identificamos um problema: o conhecimento da anatomia não nos dá subsídios para entender, na maior parte das vezes, quem é o músculo que mais trabalha num determinado movimento, justamente por não termos a menor noção de frequência e intensidade dos sinais que chegam na galera que está sendo recrutada.

Para piorar, vou jogar merda no ventilador de vez, para confundir a cabeça do leitor: temos até movimentos que executamos sem que o músculo seja ativado!

Pois é, você sabia que na caminhada o seu quadríceps não trabalha quando você estende a perna para dar o passo? Isto foi descoberto através do trabalho do pesquisador Komi (1980) e ficou conhecido como paradoxo do quadríceps. A explicação para o fenômeno demandaria um artigo inteiro, porém, apenas para me fazer breve e não deixar o leitor na mão, comento o seguinte:

Nossos músculos possuem o componente contrátil (pontes de actina e miosina) e o elástico (fáscias e tendões). Na fase excêntrica do movimento, o músculo é capaz de acumular/armazenar energia nesse último componente, restituindo-a na fase concêntrica (se você não sabe o que é fase excêntrica/concêntrica, clique AQUI).

Sendo assim, se a caminhada for de baixa intensidade, o que ele acumula é suficiente para produzir a contração concêntrica, sem ter de aplicar mais energia. Então, durante uma análise eletromiográfica do movimento, o quadríceps estará apagado durante a extensão. Observe a imagem abaixo onde mostro o fenômeno.
Infelizmente, não consegui achar a imagem que eu mais queria, porém, coloquei esta da análise de um sprint, onde marquei, em vermelho, o principal momento de extensão do joelho e destaquei um dos vastos que compõem o músculo do quadríceps. Repare que a atuação dele é bastante modesta, sendo inclusive nula em alguns pontos.

Bom, acabamos nos estendendo um bocado, mas tudo isto foi para mostrar ao leitor que apenas analisar o movimento pela cinesiologia e conhecer anatomia não resolvem muita coisa para entender o fenômeno de forma completa...

Antes de finalizar, gostaria apenas de comentar algo um tanto quanto delicado: praticamente todo estudante de educação física, assim como qualquer entusiasta da área, já deve ter visto este livro:

Como perceberam, ele se chama “Guia dos movimentos de musculação”, do autor Frédéric Delavier, que foi vice-campeão francês de levantamento de peso e que cursou a Escola de Belas Artes de Paris. Além disso, ele estudou dissecação na faculdade de medicina.

Como disse, o livro é absurdamente famoso no mundo todo, tanto é que parece ser o mais vendido na área da educação física. O segredo dele é a facilidade com que você encontra informações, com desenhos bem feitos (afinal o cara é um artista do corpo humano!) que destacam o músculo que aquele exercício em especial trabalha.

Não é necessário ser marombeiro, saber ler ou muito menos ter algum conhecimento na área da educação física para tirar proveito dele... Sendo assim, começamos a entender o porquê do seu gigantesco sucesso.

Porém, e agora começam os problemas, o livro não possui nenhuma bibliografia! Ele simplesmente acaba e... pronto! De onde o autor tirou todas aquelas informações?! Quem ele consultou? Onde pesquisou?

Todo o trabalho dele foi baseado em habilidades artísticas e conhecimentos de anatomia e da vida prática, através de sentimentos e achismos, por conta da sua carreira de levantador de pesos. Sendo assim, o livro perde toda a credibilidade como um veículo informacional e, por mais que ele forneça dados e dicas que até são úteis, ele dá uma visão parcial e limitada da realidade.

Muita gente ainda o continuará “lendo” (vendo suas figuras), inclusive como “leitura” obrigatória da faculdade de educação física, porém, tenha em mente que a fonte na qual você está buscando o saber é rasa demais, com informações fornecidas por um completo amador e com diversos erros científicos.

Quem quer ficar acima da média e se destacar, deverá buscar conhecimento em outros locais, sendo que minha sugestão fica com as plataformas de busca de artigos científicos, com destaque para o PubMed, e para outras que também podem ser utilizadas, como Scielo, Google Acadêmico, etc. Muitos artigos não são abertos ao público, sendo assim, você poderá fazer suas buscas num computador de uma universidade pública.


Como puderam perceber, a cinesiologia e a anatomia não foram capazes de responder tudo que queríamos, pois não o fizeram de forma completa. Sendo assim, para se verificar atividade muscular, a eletromiografia surge como uma poderosa ferramenta, assim como a ressonância magnética, como veremos em maiores detalhes no próximo artigo. Até lá!


FERNANDO PAIOTTI
Personal Trainer e Consultor Online
CREF 151531-G/SP


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Comentários

  1. Por mais que eu respeite o você e o seu blog, devido ao grande conhecimento que você demonstra e aos ótimos artigos,a sua crítica à obra do Delavier foi bastante tosca.

    Embora a presença de bibliografia em uma obra seja desejável,a fim de podermos conferir o que foi alegado, aprofundar-nos e verificá-lo em maiores detalhes (bem, pra quem de fato o faz...), a sua ausência não implica que o conteúdo da obra esteja errado.

    Dizer que o cara é um amador é patético! Se ele foi "vice-campeão francês de levantamento de peso" e "estudou dissecação na faculdade de medicina", então ele obviamente não é um amador.

    A ausência de bibliografia não significa que a informação seja rasa, "achista", nem tampouco que esteja errada. Academicamente é uma falha e, lamentavelmente, o leitor terá maior dificuldade de conferir as informações, mas tal falha não altera em nada a verdade ou falsidade do conteúdo da obra, nem sua profundidade, nem altera a qualidade do conteúdo, propriamente dito, da mesma.

    É legítimo alertar o leitor para que tome aquele texto "cum grano salis", já que este teria bastante trabalho para confirmar eventuais acertos e erros ali presentes. Mas a forma como você qualificou o trabalho foi abusiva.

    O fato de a obra ser adotada em tantas universidades revela algo positivo sobre ela. No fim, ela acaba funcionando como um "argumento de autoridade", que não é desprovido de algum valor, mas é de fato o argumento mais frágil, já que a autoridade dos fatos é que é fundamental.

    Por fim, trabalhos acadêmicos também podem apresentar falhas, podem ser superados e até estar completamente errados. Portanto, não basta lê-los acreditando que são fontes fidedignas apenas por serem acadêmicos, pela titulação do autor ou pelo fato de terem uma bibliografia. Se apenas estas forem as qualidades que se considerarem no trabalho acadêmico, ele estará no mesmo nível livro do Delavier: equivalerá a um a "argumento de autoridade", pois o leitor que presume ler algo correto apenas com base nestes dados externos faz como o leitor médio de Delavier, que considera correto o que ele diz, por ser o autor alguém que sabe mais que ele, o leitor.

    Sei que você tem condições de avaliar seriamente um trabalho acadêmico e de avaliá-lo criticamente. Seus textos mostram que é uma pessoa inteligente, mas a forma como você se posicionou sobre a obra do Delavier foi um pouco infeliz.

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    Respostas
    1. Olá. Agradeço a sua participação e o comentário, porém, discordo totalmente do seu ponto de vista...

      Bibliografia é essencial sim, sobretudo num livro de faculdade. Não se pode usar qualquer material para formar sujeitos que vão prestar um serviço à sociedade, sobretudo um que envolva saúde.
      A falta de bibliografia de uma obra de fato não implica que ela esteja errada, porém, também não lhe traz credibilidade alguma, haja vista que o autor pode ter inventado aquilo, tirado de achismos, experiências pessoais, utilizado fontes muito ruins, etc... E mesmo que aquilo esteja 100% certo e muito bem feito, JAMAIS será aceito num meio acadêmico sério. É a mesma coisa que entregar uma tese de conclusão de curso ou de mestrado/doutorado sem bibliografia: ela simplesmente será anulada e reprovada, sem ao menos ter sido lida! a bibliografia é um dos primeiros pontos levantados ao se escrever uma obra.

      Não é possível escrever um livro/tese de qualidade sem consultar nenhum outro, partindo do zero. Não sei qual é o seu contato com o meio acadêmico-científico, mas na Universidade de São Paulo e em suas correlatas, como UFMG, UFRS, UNESP e UNICAMP, por exemplo, levamos a sério a pesquisa acadêmica e como ela deve ser feita. Eu não sou só da área da educação física, mas também pesquisador de laboratório. enfim...

      Ele é um amador sim, quanto a isso não há discussão. Não confunda experiência prática com experiência teórica. O autor não tem noções básicas sobre biomecânica e fisiologia. Para piorar, não tem formação acadêmica na área. Mesmo que ele entenda de treino e conheça bem a anatomia, ele ignora vários outros aspectos da equação, fato que torna o seu manual superficial, coisa que na minha opinião é o grande segredo do incrível número de vendas desse livro e de sua aceitação em muitas faculdades: ele é fácil de "ler" (são quase que só desenhos) e pode ser utilizado por leigos...

      Também acho equivocada a sua visão do argumento de autoridade. Lembrou-me aquela frase "uma mentira dita muitas vezes passa a ser uma verdade". Esse livro citado do delavier não é argumento de autoridade algum num meio acadêmico que anda de mãos dadas com a pesquisa, como é o caso das faculdades que citei. Ele é, inclusive, ridicularizado, de forma muito mais agressiva do que a que você leu no meu site...

      Enfim, agradeço-lhe por ter exposto seu ponto de vista e por discordar da minha opinião. Pensamos diferente e assim segue a vida. Abraço!

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