LIGAMENTO CRUZADO ANTERIOR, POSTERIOR E MUSCULAÇÃO: A CADEIRA EXTENSORA NÃO É TÃO INOFENSIVA QUANTO PENSAM
Fala rapaziada!
Tenho certeza que muitos já ouviram falar da seguinte lenda: “a cadeira extensora é um exercício inofensivo, que pode ser usado sem problema algum por pessoas lesionadas e idosos debilitados, enquanto que os exercícios de cadeia cinética fechada, como agachamento e leg press, são a personificação do mal, devendo ser abolidos”.
O leitor mais antenado do site já deve ter sentido o cheirinho de bosta no ar, sendo assim, percebeu que o presente artigo servirá para quebrar este mito nojento e desgraçado que trata a cadeira extensora como um pau para toda obra!
1. LIGAMENTO CRUZADO ANTERIOR (LCA) E LIGAMENTO CRUZADO POSTERIOR (LCP)
Para quem não conhece o ligamento cruzado anterior e posterior, trago a imagem abaixo, que destaca ambos na articulação do joelho:
A função do LCA, muitíssimo mais famoso e fácil de ser lesionado, é impedir a anteriorização da tíbia, ou seja, impedir que este osso da sua perna (da sua “canela”) vá para frente. Nesta tarefa, ele não atua sozinho, sendo auxiliado pelos músculos posteriores de coxa.
Seu principal mecanismo de lesão se dá nos esportes de grama, com a utilização de chuteiras com travas, feito rúgbi e futebol: o pé do sujeito fixa no chão, junto da tíbia, e o fêmur (osso da coxa) gira com o joelho, submetendo o LCA a uma tração a qual ele não está acostumado, podendo danificá-lo em vários graus ou mesmo rompê-lo, o que é comum.
Bom, se a perna girou pra um lado, espera-se que ela volte, certo? Ao voltar, pode acontecer de ela danificar o menisco, que é uma especialização da cartilagem do joelho, arrancando um pedaço.
Caso você presencie um cenário como este, acompanhado de uma queixa de que a perna está travada/não mexe, em hipótese alguma tente colocar nada no lugar! Deixe a pessoa quieta e imobilizada e ligue para o SAMU, cujo telefone é 192.
Para fechar, o LCP, cuja lesão é mais rara, impede a posteriorização da tíbia e é danificado mais comumente em atividades de artes marciais, especialmente as que possuem golpes de imobilização.
2. O QUE FAZER EM CASOS DE LESÃO?
Caso você acabe se lesionando, dependendo do grau que isto ocorra, é importante ter em mente que uma cirurgia pode ser necessária, porém, independente do meio de tratamento escolhido, você tem que ter em mente que a prática de exercícios físicos para fortalecimento muscular é obrigatória!
Digo isto pois uma lesão de LCA não tratada, após 10-15 anos, aumenta em 50% as chances de você desenvolver osteoartrose no joelho, que é um quadro terrível, sem cura, de degeneração da cartilagem, expondo ossos a atrito direto, o que causa uma dor gigantesca (LOHMANDER & ROOS, 1994).
Se você tiver de operar, o que a comunidade científica tem notado é que a prática de exercícios para fortalecimento antes da cirurgia diminui o tempo de recuperação no pós-operatório, o que é muito interessante e mostra como as coisas evoluíram, haja vista que antigamente a recomendação era de repouso!
No pós operatório, a recomendação é que se utilize exercícios tanto de cadeia cinética aberta, como a extensora, quanto de cadeia cinética fechada, como leg e agachamento, pois ambas criam o cenário ideal onde a recuperação é mais eficaz e eficiente.
Agora que chegamos na minha área de trabalho, vamos discutir como esses exercícios são feitos e qual impacto que trazem.
3. LIGAMENTO CRUZADO ANTERIOR E SOBRECARGA NOS DIFERENTES EXERCÍCIOS
Minha grande crítica no começo do texto é que a primeira coisa que as pessoas fazem quando têm dor no joelho é proibir agachamento e recomendar a cadeira extensora, porém, se você não souber exatamente qual o problema, só estará piorando enormemente o quadro de alguém.
O trabalho de ESCAMILLA et al. (1998) nos mostrou que a sobrecarga do ligamento cruzado anterior na cadeira extensora é de 20% ou 0,2 vezes a carga utilizada, enquanto que na cadeia cinética fechada, como no agachamento, a sobrecarga é ZERO!
Isto ocorre uma vez que a cadeira extensora é um movimento artificial, não utilizado no dia-a-dia, uma vez que ela exclui a participação de posteriores de coxa, que também impedem a anteriorização da tíbia, conforme mencionado anteriormente, deixando toda a tarefa nas mãos do LCA. Na cadeia cinética fechada isto não acontece e o ligamento nem precisa atuar, haja vista que os isquiotibiais desempenham o papel sozinhos.
Sendo assim, aquele sujeito que está com o ligamento cruzado anterior arregaçado e recebe a recomendação de parar de agachar ou fazer leg press e no lugar restringir-se à cadeira extensora estará, quase certamente, agravando o caso.
A resistência de um LCA saudável é de cerca de 70kg. Sendo assim, como apenas 20% da carga é transferida a ele, se uma pessoa faz extensora com um peso absurdo de 100kg, só estará sobrecarregando o ligamento em 20kg, o que é bem longe de seu nível máximo.
Porém, imagine que ele está com várias fibras rompidas, bastante danificado, e é solicitado numa carga que ultrapasse essa resistência total diminuída e se rompa por completo: complicado não? Num agachamento da vida, isto jamais aconteceria...
Agora que critiquei esse cenário de alta ignorância da população, saibam que existe um outro tão ruim quanto, de ignorância parcial, ou seja, das pessoas que sabem que a extensora pode ser perigosa para um LCA lesionado, porém, extrapolam o conhecimento para todos os grupos sociais, inclusive as pessoas saudáveis e atletas.
Através de pesquisas foi observado que a máxima solicitação do LCA na extensora ocorre nos 20 últimos graus do movimento, ou seja, na fase final da extensão das pernas, sendo assim, muitos treinadores começaram a proibir os alunos de ir até o final do movimento, com o absurdo alerta de que “é perigoso para o joelho!”.
Para uma pessoa lesionada isto se aplica, mas para um indivíduo totalmente saudável com a articulação íntegra, isto é uma burrice gigantesca, haja vista que para lesionar um ligamento cruzado anterior saudável teríamos de colocar uma carga de uns 300kg na cadeira extensora, coisa que praticamente ninguém deve aguentar...
Além disso, quando retiramos a sobrecarga das estruturas do nosso corpo, como ossos, músculos e ligamentos, elas se enfraquecem; por outro lado, quando a aumentamos de forma gradual e controlada, elas se fortalecem (no caso do ligamento, ele aumenta sua área de secção transversa (grossura) e fica mais resistente à tração) (WOO et al., 1982).
Sendo assim, poupar quem não tem problema é um grande erro, pois não só estaremos impedindo que a pessoa fique mais protegida, como a estaremos fragilizando!
Para concluirmos este capítulo, temos: cadeia cinética fechada é totalmente segura para lesões de ligamento cruzado anterior, enquanto que a aberta, não. Como devemos fortalecer a musculatura antes da cirurgia, um programinha com agachamento e leg press pode ser de ótima ajuda.
No pós-operatório, mais uma vez, ou mesmo num tratamento sem cirurgia, o carro-chefe do programa deve ser a cadeia cinética fechada, porém, foi observado na fisioterapia que a utilização combinada e muito bem controlada de cadeira extensora auxilia na recuperação e o motivo já sabemos: ela aumenta a resistência do ligamento, se utilizada na dose certa.
4. LCP E SOBRECARGA
No caso do LCP, o observado na pesquisa foi que a sobrecarga é muito maior na cadeia cinética fechada do que na aberta, com os seguintes resultados: 1,5 a 2 vezes do total da carga utilizada é aplicada como sobrecarga nele, enquanto que apenas 1 vez na cadeia aberta.
Sendo assim, nos raros casos em que o LCP é rompido ou danificado, o uso de exercícios como agachamento e leg deve ser muito bem controlado, sendo a extensora a que oferece o risco menor.
Para fechar, os últimos graus da flexão de pernas são os que oferecem a maior sobrecarga ao LCP, portanto, eles devem ser evitados, porém, mais uma vez, apenas nos casos de pessoas que REALMENTE precisem, e não de todo mundo!
Ficamos por aqui. Espero que tenham gostado de mais um artigo quebrador de mitos. Até o próxima!
FERNANDO PAIOTTI
Personal Trainer e Consultor Online
CREF 151531-G/SP
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